Dia Internacional da Mulher

Resistência

No segundo capítulo da série Mulher, o Diário Popular trata da violência sofrida diariamente pelo sexo feminino, principalmente, entre as negras

Fotos: Jô Folha

Contra a corrente de avanços conquistados pelos movimentos feministas - que defendem que as mulheres tenham direitos iguais aos homens -, a violência à mulher persiste. Os dados de denúncias e ocorrências oscilam a cada ano, mas ela continua. Ela existe - e muitas vezes sequer é denunciada às autoridades. No segundo e último capítulo da série Mulher, o Diário Popular irá abordar sobre violência contra a mulher - um assunto que precisa chamar mais a atenção da sociedade. A situação é, sim, urgente.

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A criação de leis como Maria da Penha levantou o debate acerca do tema, que até então ficava às sombras de holofotes e ainda conseguia gerar constrangimento entre as vítimas. A legislação, entretanto, não diminuiu os casos, mas centralizou o assunto. Dados do Mapa da Violência demonstram uma estimativa dos feminicídios (homicídios contra mulheres) que aconteceram no país em 2013, nos termos da lei 13.104/2015, a Lei do Feminicídio:Dos 4.762 homicídios de mulheres registrados em 2013, 2.394, isto é, 50,3% do total, foram causados por um familiar da vítima; 1.583 foram mortas pelo parceiro ou ex-parceiro, o que representa 33,2% do total de homicídios femininos em um ano. 

A culpa não é dela
Conforme o estudo, nos homicídios masculinos é mais comum a utilização de arma de fogo (em 73,2% dos casos), enquanto nos femininos esta incidência é bem menor: 48,8% - com o concomitante aumento de estrangulamento/sufocamento e de objetos cortantes ou penetrantes - indicando maior presença de crimes de ódio ou por motivos fúteis e banais.
Outro indicador diferencial dos homicídios de mulheres é o local onde ela é agredida. Quase a metade dos homicídios masculinos acontece na rua. Já nos femininos, a proporção é menor: mesmo considerando que 31,2% acontecem na rua, o domicílio da vítima é, também, um local relevante: 27,1% dos crimes.

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A titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, Maria Angélica Gentilini da Silva, confirma as estatísticas. De acordo com ela, em Pelotas os crimes mais comuns são ameaça ou lesão corporal, que, em geral, envolvem armas de fogo ou objetos cortantes, como facas. “É preciso falar sobre violência doméstica. O agressor continua a colocar a vítima como culpada pelo ato violento”, salienta.

Vamos falar sobre negritude
Há mais mulheres agredidas do que se imagina, independentemente de classe social - porém, a violência é mais crua, exposta e ignorada entre as mulheres negras e periféricas. O sistema ainda é negligente em relação a elas. É o que mostra o levantamento do Mapa da Violência: crescimento na taxa de mortalidade de mulheres e meninas negras, vítimas de homicídio. O índice aumentou de 22,9% em 2003 para 66,7% em 2013. Nesta década houve alta, também, de 190,9% da vitimização de negras.

Ativista do movimento feminista nacional Juntas, a bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Winnie Bueno, também milita em prol da visibilidade das mulheres negras. “As pautas do movimento feminista são universais e importantes, mas, a meu ver, deveriam ser mais pontuais. A gente precisa de um feminismo que pense a partir das mulheres negras, aí vamos conseguir pensar o todo. Porque é preciso pensar em retirar as mulheres negras da linha de pobreza”, defende.

A militante justifica pela falta de empatia. Quando as alunas do Colégio Anchieta, um dos educandários mais respeitados de Porto Alegre, protestaram pelo uso do short, o assunto inquietou não apenas professores e estudantes, mas familiares das alunas da instituição privada e também a grande mídia. “A luta pelo direito ao próprio corpo é extremamente importante. As meninas do Anchieta tiveram espaço pra expor o seu manifesto. Receberam apoio. Mas e as do Colégio Pelotense?”, questiona.

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Winnie refere-se ao episódio de novembro de 2015, quando as alunas da instituição municipal foram boicotadas em seu protesto. O Diário Popular acompanhou a atividade - ciente da manifestação, o corpo docente transferiu trabalhos e provas finais para a data da mobilização, desarticulando o movimento das secundaristas. “Elas não foram atendidas. E a maioria das alunas é pobre e negra. Aí quando as meninas de classe média alta de Porto Alegre protestaram pelo mesmo direito, todos colocaram em discussão. A empatia em relação às estudantes do Anchieta foi maior”, avalia.

arte_2_3_mulheresSexo frágil?
“Não existe fragilidade para nós, mulheres negras. Nós já viemos pra cá como mercadoria; como mão de obra. Elza Soares já canta que ‘a carne mais barata do mercado é a carne negra’. A gente entende muito cedo o espaço que a sociedade reserva pra nós. Mas com o tempo e com outras mulheres negras, finalmente aprendemos que nós é quem definimos qual é o nosso espaço no mundo. A geração que agora cresce é mais avançada nesse sentido. Os pais são mais informados e a internet permite que as crianças se vejam mais, a parte da mídia hegemônica, onde a imagem da mulher negra é hipersexualizada, vista como cômica ou, ainda, de servente de pessoas brancas.” (Winnie Bueno)

Educação para transformar
“É fundamental discutir gênero nas escolas. Colocar o tema na grade curricular é uma briga. Não é possível discutir o tema só em Filosofia ou Sociologia, é um assunto que precisa ser interdisciplinar. Aliás, igualdade de gênero também deveria ser pautada nas universidades”, salienta a socióloga e mestranda em Educação pela UFPel, Daniele Rehling.

À frente de oficinas feministas, a professora coloca igualdade de gênero em discussão. Por ser um assunto extenso, prefere não jogar uma série de informações aos alunos. De maneira didática, tenta fazer com que os estudantes identifiquem-se com o tema, respeitando o entendimento que cada um tem sobre o machismo.

“O tema da redação do Enem ser violência contra a mulher é uma vitória, mas também é contraditório, porque as escolas não falam sobre isso. Quem se saiu bem provavelmente tinha outros meios de acesso ao assunto”, opina a socióloga. Na edição de 2015, o assunto do processo seletivo foi A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira.

A educação é ferramenta transformadora, mas são necessárias políticas públicas efetivas para modificar uma realidade assinalada pela violência - simbólica, física e moral -, que agride meninas e mulheres todos os dias. Por isso, o 8 de março é um dia de resistência.

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